Por que os homens pararam de usar salto alto?
Por gerações a fio, o
salto alto foi sinônimo de feminilidade e glamour, mas, surpreendentemente, no
passado, eles também já serviram como um acessório essencial para os homens.
Concebidos originalmente na Pérsia, o
território do atual Irã, esse tipo de sapato invadiu rapidamente os imensos
guarda-roupas dos imperadores europeus, como o de Luís 14, até serem
descartados por completo do vestuário masculino na primeira metade do século
18.
A pesquisadora Elizabeth Semmelhack,
do Bata Shoe Musem em Toronto, no Canadá, explica que o salto era um item
obrigatório para os cavaleiros persas, uma vez que conferia aos soldados maior
domínio sobre seus cavalos.
Na Pérsia Antiga, um bom manejo dos
animais era vital para as conquistas regionais.
"Quando o cavaleiro pisava nos
estribos, o salto o ajudava a manter a estabilidade para que ele pudesse
segurar o arco e disparar as flechas com maior eficiência."
Entretanto, a chegada de um dos maiores
objetos de consumo atuais ao Velho Mundo deveu-se em grande parte ao imperador
persa Shah Abbas 1 que, no final do século 16, possuía a maior cavalaria do
mundo.
Com o objetivo de derrotar seu maior
inimigo, o Império Turco Otomano, Abbas viu-se obrigado a estabelecer conexões
com os grandes líderes europeus da época.
Para lá, foi enviada, em 1599, a
primeira missão diplomática da Pérsia para a Europa, que incluía passagens
pelas cortes da Rússia, Noruega, Alemanha e Espanha.
Com os persas, os europeus descobriram
um novo universo, entre eles o da moda.
Os sapatos usados pelos súditos de
Abbas foram rapidamente adotados pelos aristocratas do Velho Mundo, que, a todo
momento, buscavam colecionar objetos que pudessem reforçar seu poder frente aos
demais.
Porém, à medida que os sapatos com
salto ganharam força também entre as camadas populares, os ricos passaram a
aumentar seu tamanho como forma de se diferenciar - e assim o salto alto nasceu
efetivamente.
Mas, ao contrário da Pérsia, esses
novos sapatos não tinham qualquer utilidade na Europa, especialmente nas ruas
esburacadas e enlameadas do século 17.
"A pouca funcionalidade acabava
por reforçar o status daqueles que podiam usar tais sapatos", diz
Semmelhack, para quem as classes mais ricas sempre usaram roupas pouco
práticas, desconfortáveis e luxuosas para divulgar sua condição privilegiada.
"Eles não precisam usar os saltos
altos no trabalho e tampouco caminhar longas distâncias", acrescenta.
Monarca francês
Luís 14 era ávido
colecionador de sapatos de salto alto.
Apesar de Imelda Marcos, a viúva do
ex-presidente das Filipinas, Ferdinando Marcos, ter sido considerada uma das
maiores colecionadoras contemporâneas de saltos altos, dificilmente ela
superaria Luís 14, o imperador francês conhecido popularmente como o 'Rei Sol'.
Havia uma razão pelo gosto do monarca
pela peça. Apesar de seu prestígio, Luís 14 media apenas 1,63m e, não raro,
acrescia sua altura em 10cm com saltos, decorados com imagens de suas
conquistas.
Os sapatos e as solas eram sempre na
cor vermelha, uma vez que o tingimento era caro e demandava muito tempo. A moda
logo se espalhou por outros países da Europa.
O retrato da coroação de Charles 2º,
da Inglaterra, em 1661, por exemplo, revelava o monarca usando um par de um
salto alto enorme de estilo francês, apesar de medir 1,85m.
Em 1670, Luís 14 publicou um decreto
que somente membros de sua corte poderiam usar salto alto vermelho. Não demorou
muito tempo para que imitações chegassem aos mercados.
Conexão
Ao passo que os tradicionais sapatos
ganharam versões no mercado negro, o item também passou a fazer a cabeça de
mulheres e crianças.
"Em 1630, havia mulheres que
cortavam seus cabelos bem curtos, acrescentando dragonas (peça metálica com
franjas de fios de ouro) às suas roupas", conta Semmelhack.
"Elas também fumavam cachimbos,
faziam de tudo para parecer masculinas. Foi quando, justamente, as mulheres
adotaram os saltos altos, antes restritos aos homens."
Nessa época, diz a pesquisadora, as
classes mais abastardas da Europa seguiam uma moda de sapatos unissex até o fim
do século 17, quando houve uma nova revolução.
"A partir deste ponto, começamos
a perceber uma mudança", explica Helen Persson, curadora da Victoria and
Albert Museum em Londres. "Homens começaram a usar um salto mais baixo,
robusto, quadrado, enquanto o das mulheres ganhou formas mais curvilíneas, mais
esguias".
Iluminismo
Alguns anos depois, entretanto, o
salto alto sofreu forte baque das ideias trazidas com o advento do Iluminismo,
que pregava respeito pela racionalidade e pela praticidade, além de uma maior
ênfase à educação do que ao privilégio.
Como reflexo dessa nova tendência, os
aristocratas começaram a usar roupas mais simples que estavam mais ligadas ao
trabalho em suas propriedades.
Foi o começo do que os especialistas
chamam de "A Grande Renúncia Masculina", por meio da qual, entre
outras coisas, os homens abandonaram o uso de joias, cores brilhantes e tecidos
ostentadores em favor de um visual mais homogêneo, sóbrio e escuro.
Por que o salto alto é sexy?
Associação Elizabeth Semmelhack acredita que os
saltos altos começaram a ser vistos como uma peça erótica quando eles voltaram
à moda no século 19 - as modelos nuas nos cartões-postais franceses apareciam
usando a peça.
Biologia Segundo Helen Fischer, professora de
antropologia na
Rutgers
University, nos Estados Unidos, o salto alto força as mulheres a uma
"posição de cortejo natural" comum entre mamíferos, com as costas
arqueadas e as nadégas protuberantes.
Machismo Os saltos não só transformam a maneira
como os corpos das mulheres são vistos pelos homens, como também causam dor e
as impede de "fugir rapidamente" - Sheila Jeffreys, uma feminista
radical, diz que a peça é um meio pelo qual as mulheres "compensam a falta
de poder que os homens têm".
Assim, o vestuário masculino passou a
atuar não tão fortemente como um divisor de classes sociais. E, ao passo que
essas fronteiras começaram a ser imbricadas, as diferenças entre os sexos
ficaram mais pronunciadas.
"Há discussões de como os homens,
a despeito de sua situação, de seu local de nascimento, se educados, poderiam
se tornar cidadãos", diz Semmelhack.
"As mulheres, em contrapartida,
eram vistas como emocionais, sentimentais e iletradas. O desejo feminino começa
a ser construído em termos da moda irracional e o salto alto - uma vez separada
de sua função original, que era de vestir cavaleiros - torna-se o exemplo
primário do vestuário impraticável."
Os saltos altos passaram, então, a ser
vistos como estúpidos e afeminados. Em 1740, os homens interromperam por
completo seu uso.
Cinco décadas depois, o item também
desapareceu dos pés das mulheres, devido à Revolução Francesa.
Retomada
O salto alto só voltou à moda em
meados do século 19, quando a fotografia transformou a maneira como a moda e a
imagem da mulher começaram a ser construídas.
Os divulgadores de pornografia estavam
entre os primeiros a abraçar a nova tecnologia, registrando fotos de mulheres
nuas para divulgá-las em cartões postais, posicionando as modelos em poses que
remetiam aos nus clássicos, mas usando saltos altos modernos.
Semmelhack acredita que tal associação
com a pornografia permitiu que a peça fosse vista como um adorno erótico para
as mulheres.
Para os homens, entretanto, o uso do
salto alto nunca voltou com força.
Na década de 60, os populares cowboys
dos Estados Unidos chegaram a ensaiar um retorno dos saltos para o público
masculino, porém de menor altura.
Mas, mesmo que a era dos homens de
salto alto parece ter ficado para trás, Semmelhack acredita em uma retomada.
"Definitivamente", diz ele.
Afinal, se a peça ganhou lugar cativo
nos guarda-roupas de imperadores e membros da realeza, por que não poderia
retornar aos pés do público masculino?
Da BBC
Nenhum comentário:
Postar um comentário