terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Por Alfredo Brites



O surpreendente lado bom de passar vergonha.

Quem já passou por um grande vexame sabe muito bem o que é a sensação de uma chama se acendendo sob a pele, o fogo subindo do peito ao topo da cabeça, as bochechas subitamente rosadas e as orelhas vermelhas como rabanetes.
Por que nós, humanos, evoluímos para mostrar nossa vergonha de maneira tão visível?
Charles Darwin não conseguiu encontrar nenhum aspecto positivo para a sensação de embaraço. “Quem passa vergonha sofre e quem assiste àquilo se sente constrangido, e nenhum deles se beneficia”, escreveu o naturalista.
Hoje, psicólogos evolucionistas estão descobrindo que essa agonizante sensação pode ser essencial para o nosso bem-estar em longo prazo.
Uma das teorias é de que se trata de uma reação natural ao medo de ser “pego em flagrante”. O psicólogo Ray Crozier, da Universidade de Cardiff, na Grã-Bretanha, entrevistou vários voluntários sobre situações embaraçosas nas quais eles ficaram vermelhos e descobriu que elas geralmente envolvem a potencial exposição de algo privado, e não tanto um acidente desastrado.
Nesse caso, a vermelhidão pode ser uma reação psicológica ao susto de que um segredo está prestes a se tornar público, mesmo quando se trata de algo positivo, como o anúncio de um noivado ou de uma gravidez.
Mas essas situações são muito diferentes daquelas cenas em que a gente tem vontade de desaparecer do mundo. Como destacou Darwin, a vermelhidão parece que só aumenta o desconforto. Mas na realidade o que ocorre é exatamente o contrário.

Comportamento animal

Algumas pistas podem ser observadas na maneira como primatas subordinados a outros lidam com situações de conflito.
Mark Leary, diretor do Centro de Pesquisa Interdisciplinar do Comportamento da Universidade Duke (EUA), lembra que, quando irritados, os chimpanzés que lideram um grupo preferem encarar seus subordinados a agredi-los fisicamente – como se estivessem dizendo “saia do meu caminho”.
O subordinado, então, tenta dissimular a situação, fazendo gestos que se assemelham ao nosso comportamento quando sentimos vergonha: eles rompem o contato visual e baixam a cabeça, como qualquer um de nós faria.
“Por fim, eles dão um sorriso amarelo, parecido com o que os humanos exibem nessas ocasiões”, diz Leary. Toda a gesticulação sugere um pedido de desculpas e sinaliza que queremos evitar mais confrontos diretos.
Segundo o psicólogo, o ser humano deu um passo adiante nesse comportamento, ao exibir a vermelhidão como uma espécie de “pedido de desculpas não verbal” que possa dissipar uma situação constrangedora.

Mais solidários e honestos

Para Leary, o fato de ficarmos vermelhos quando sabemos que alguém nos observa ou quando recebemos um elogio pode ser explicado por uma antecipação inconsciente de uma possível agressão. O rosto corado é uma maneira de mostrar que queremos evitar chamar a atenção.
O ato também nos faz parecer menos egoísta, já que não desafia a autoridade. E ainda se manifesta como um gesto de solidariedade – quando ficamos vermelhos porque alguém querido fez alguma trapalhada embaraçosa. “Trata-se de um sinal de que você reconhece que aquela pessoa errou e que você não está à vontade quebrando regras”, explica o pesquisador.
Ficar com as bochechas e as orelhas vermelhas não é algo que se pode simular. Ou seja, é um dos poucos sinais de honestidade em que podemos confiar plenamente. Por isso, as pessoas que manifestam assim sua vergonha tendem a ser mais bem acolhidas do que as que não coram.
A manifestação física da vergonha pode até ser tida como um sinal de altruísmo, como demonstrou um estudo da Universidade da Califórnia em Berkeley. Nele, voluntários eram filmados contando alguma situação constrangedora, enquanto um júri avaliava o quão envergonhados eles pareciam.
A conclusão foi de que aqueles que coravam mais facilmente acabaram mostrando opiniões e comportamentos mais solidários e honestos em uma pesquisa subsequente.

Mais atraentes

Surpreendentemente, ficar vermelho pode aumentar seu sex appeal diante de uma pessoa de quem se gosta.
“Quem está em busca de um parceiro a longo prazo reconhece no ato uma demonstração de que se trata de alguém sociável e cooperativo e não uma pessoa que vai pular a cerca”, afirma o psicólogo Matthew Feinberg, da Universidade de Toronto, no Canadá. “Algumas pessoas acham o constrangimento atraente de certa forma.”
Ele destaca, no entanto, que quando alguém está em busca de um relacionamento rápido, acaba sendo atraído por indivíduos mais autoconfiantes e exibidos.
Mas, se mesmo sabendo de tudo isso, você ainda se pega com o rosto vermelho diante de uma situação constrangedora, pode ser que esteja, na realidade, sofrendo do “efeito holofote”: a nossa tendência de exagerar na percepção do quanto de atenção estamos recebendo. Ou seja, não somos tão interessantes quanto pensamos que somos.
Pensando bem, esses momentos de vergonha aguda são como a febre que acompanha uma gripe – algo temporariamente desconfortável, mas necessário para nosso bem-estar a longo prazo.
“Nós não queremos ter essas sensações e tentamos de tudo para suprimi-las. Mas apesar de o embaraço ser algo pouco prazeroso, ele tem o seu propósito”, afirma Feinberg.
 

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