O surpreendente lado bom de passar vergonha.
Por que nós, humanos, evoluímos para
mostrar nossa vergonha de maneira tão visível?
Charles Darwin não conseguiu encontrar
nenhum aspecto positivo para a sensação de embaraço. “Quem passa vergonha sofre
e quem assiste àquilo se sente constrangido, e nenhum deles se beneficia”,
escreveu o naturalista.
Hoje, psicólogos evolucionistas estão
descobrindo que essa agonizante sensação pode ser essencial para o nosso
bem-estar em longo prazo.
Uma das teorias é de que se trata de
uma reação natural ao medo de ser “pego em flagrante”. O psicólogo Ray Crozier,
da Universidade de Cardiff, na Grã-Bretanha, entrevistou vários voluntários
sobre situações embaraçosas nas quais eles ficaram vermelhos e descobriu que
elas geralmente envolvem a potencial exposição de algo privado, e não tanto um
acidente desastrado.
Nesse caso, a vermelhidão pode ser uma
reação psicológica ao susto de que um segredo está prestes a se tornar público,
mesmo quando se trata de algo positivo, como o anúncio de um noivado ou de uma
gravidez.
Mas essas situações são muito
diferentes daquelas cenas em que a gente tem vontade de desaparecer do mundo.
Como destacou Darwin, a vermelhidão parece que só aumenta o desconforto. Mas na
realidade o que ocorre é exatamente o contrário.
Comportamento animal
Algumas pistas podem ser observadas na
maneira como primatas subordinados a outros lidam com situações de conflito.
Mark Leary, diretor do Centro de
Pesquisa Interdisciplinar do Comportamento da Universidade Duke (EUA), lembra que,
quando irritados, os chimpanzés que lideram um grupo preferem encarar seus
subordinados a agredi-los fisicamente – como se estivessem dizendo “saia do meu
caminho”.
O subordinado, então, tenta dissimular
a situação, fazendo gestos que se assemelham ao nosso comportamento quando
sentimos vergonha: eles rompem o contato visual e baixam a cabeça, como
qualquer um de nós faria.
“Por fim, eles dão um sorriso amarelo,
parecido com o que os humanos exibem nessas ocasiões”, diz Leary. Toda a
gesticulação sugere um pedido de desculpas e sinaliza que queremos evitar mais
confrontos diretos.
Segundo o psicólogo, o ser humano deu
um passo adiante nesse comportamento, ao exibir a vermelhidão como uma espécie
de “pedido de desculpas não verbal” que possa dissipar uma situação
constrangedora.
Mais solidários e honestos
Para Leary, o fato de ficarmos
vermelhos quando sabemos que alguém nos observa ou quando recebemos um elogio
pode ser explicado por uma antecipação inconsciente de uma possível agressão. O
rosto corado é uma maneira de mostrar que queremos evitar chamar a atenção.
O ato também nos faz parecer menos
egoísta, já que não desafia a autoridade. E ainda se manifesta como um gesto de
solidariedade – quando ficamos vermelhos porque alguém querido fez alguma trapalhada
embaraçosa. “Trata-se de um sinal de que você reconhece que aquela pessoa errou
e que você não está à vontade quebrando regras”, explica o pesquisador.
Ficar com as bochechas e as orelhas
vermelhas não é algo que se pode simular. Ou seja, é um dos poucos sinais de
honestidade em que podemos confiar plenamente. Por isso, as pessoas que
manifestam assim sua vergonha tendem a ser mais bem acolhidas do que as que não
coram.
A manifestação física da vergonha pode
até ser tida como um sinal de altruísmo, como demonstrou um estudo da
Universidade da Califórnia em Berkeley. Nele, voluntários eram filmados
contando alguma situação constrangedora, enquanto um júri avaliava o quão
envergonhados eles pareciam.
A conclusão foi de que aqueles que
coravam mais facilmente acabaram mostrando opiniões e comportamentos mais
solidários e honestos em uma pesquisa subsequente.
Mais atraentes
Surpreendentemente, ficar vermelho
pode aumentar seu sex appeal diante de uma pessoa de quem se gosta.
“Quem está em busca de um parceiro a
longo prazo reconhece no ato uma demonstração de que se trata de alguém
sociável e cooperativo e não uma pessoa que vai pular a cerca”, afirma o
psicólogo Matthew Feinberg, da Universidade de Toronto, no Canadá. “Algumas
pessoas acham o constrangimento atraente de certa forma.”
Ele destaca, no entanto, que quando
alguém está em busca de um relacionamento rápido, acaba sendo atraído por
indivíduos mais autoconfiantes e exibidos.
Mas, se mesmo sabendo de tudo isso,
você ainda se pega com o rosto vermelho diante de uma situação constrangedora,
pode ser que esteja, na realidade, sofrendo do “efeito holofote”: a nossa
tendência de exagerar na percepção do quanto de atenção estamos recebendo. Ou
seja, não somos tão interessantes quanto pensamos que somos.
Pensando bem, esses momentos de
vergonha aguda são como a febre que acompanha uma gripe – algo temporariamente
desconfortável, mas necessário para nosso bem-estar a longo prazo.
“Nós não queremos ter essas sensações
e tentamos de tudo para suprimi-las. Mas apesar de o embaraço ser algo pouco
prazeroso, ele tem o seu propósito”, afirma Feinberg.
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